quarta-feira, 25 de maio de 2011

(Re)começo assim, devagar, como quem não quer nada. Nos últimos anos a vida invadiu minha vida e guardei na gaveta todo o resto que não representasse as questões de ordem prática que nos afogam. Mas sempre que abandono o que me habita pelo que me obriga, há repercussões. Agora retomo aos poucos o contato comigo. Porque antes de ser eu pensava. E antes de pensar eu sentia. Sentia tudo, todos. Qualquer coisa. Aos 6 anos perguntei à minha mãe "o que fazer da minha solidão" e essa pequena ferida era o prenúncio de uma chaga que jamais fecharia por completo. E esgarça com violência com o passar do tempo. Quando eu passar a ser uma gangrena humana, carne viva por completo,entenderei o que é estar pronto para a morte física. Com aquela idade eu previa a aproximação da transição do mundo real para o imaginário. O mundo real era o mundo de impressões tatuadas na minha memória. A lembrança da brisa fria na das paredes brancas da casa no Jardim Botânico; do mistério da escada para o atelier; do porta-retrato do céu que era cada janela ; da dança hipnótica na festinha aos 4 anos em que me tornei dervixe; da penumbra acolhedora da casa de uma avó, do perfume ancestral na casa da outra, no mesmo bairro; da bocarra violenta do cachorro congelada num latido eterno a centrímetros de estraçalhar meu rosto; do carinho frio do cimento vermelho nos pés descalços da casa da tia. Esse é o mundo real de memória instintiva que só encontrei novamente em algumas ocasiões da vida. No amor urgente sufocado em um apartamento com aquele que eu já sabia ser minha outra parte; na textura das bochechas da filha que dorme; na cena ensolarada das brincadeiras dos avós e neta. De todas essas lembranças sou o vértice e, vagarosamente, me afastar até estar fora delas permite que eu as registre a salvo do mundo imaginário.
Esse tão cruelmente disposto em tabelas, planilhas, enquadramentos e grades. O mundo das coisas e pessoas que não existem, onde tudo é imaginado: as mulheres grotescamente lindas; os homens ricos esfaimados; poderes que não governam a si mesmos; as palavras cheias de significados vazios; posses que digerem seus donos até que só reste o orgulho; os contratos que vendem nada.
Retorno furtivamente ao mundo das idéias.